quinta-feira, 21 de maio de 2009

Caso Rafael denuncia fracasso da instituição paterna.

Rafael Souza, filho do Deputado Estadual Amazonense Wallace Souza, foi preso, mais uma vez, acusado de ser integrante de organização criminosa. Tráfico de drogas, tráfico de armas, formação de quadrilha, grupo de extermínio, são apenas algumas das acusações que pairam sobre este rapaz. As investigações, iniciadas pela PF no ano passado ainda indicam o mais grave: o possível envolvimento do próprio pai de Rafael, o Deputado Wallace Souza, como suposto comandante da tal organização criminosa.

Ao que pese a gravidade do fato aos olhos de uma análise política das instituições e do próprio Estado democrático de direito, afinal, trata-se de um Deputado Estadual, legítimo representante popular, postergo a outro momento comentários nesta linha de pensamento e aqui visualizo a relação pai/filho.

Em psicanálise, o que no título chamei de “instituição paterna”, na verdade é a tão elementar contribuição lacaniana “Metáfora Paterna”.

Imaginem que os pensamentos postos à humanidade por Freud e Lacan, visam a uma Teoria do Sujeito. Um sujeito nascido a partir de desejos alheios, afinal, de início ele nada é, e que ao nascer terá como referências imediatas seus genitores, ou quem socialmente presentificar esta função.

Pois bem, este "sujeito", um quase-nada, na verdade um "bolo de carne", inicia seu existir como uma extensão do corpo da mãe. Uma parte gozosa da mãe. Um canal de afectos e perceptos que a mãe se apropria como sendo "seu", o seu próprio corpo. Não há divisibilidade entre o "bolo de carne", romanticamente chamado de bebê, neném, coisa linda, etc. e a mãe. Há aí um momento e estado de plena indivisibilidade mãe/bebê, o sujeito está em completa ALIENAÇÃO no desejo da mãe.

Eis que entra em cena o Pai, a figura paterna. À medida que esse pai se insere na relação mãe/bebê, uma cadeia de novas outras significações passa a ser ofertada ao bebê. O mundo que antes era constituído somente pelo desejo da mãe, agora passa a ter novos elementos. Esta seria, em suma, a grande função paterna, a de proporcionar à criança um novo acesso à linguagem e novas significações do seu próprio existir. Ao pai, então pode-se dizer que, cabe a sublime função de convidar a criança a vivencia a vida, de mostrar a partir da linguagem o quão belo é o existir humano e as inúmeras possibilidades de vivenciá-lo.

O que acontece, é que às vezes essa função paterna não cinge da forma correta a relação mãe/bebê, não desloca o sujeito ao mundo simbólico, não oferta outros significantes ou outras cadeias de possibilidades para que o bebê tenha condições de se constituir enquanto sujeito, autônomo do seu próprio existir. Refém de uma mãe dominadora, de um desejo sufocante, e carente de um pai ausente, a criança entra num beco sem saída. Ou fica alienado no desejo da mãe, uma mãe quase sempre dominadora e sufocante, ou passa de todas as formas a tentar seduzir o pai, numa posição quase histérica, fazendo de tudo pela sensação de tê-lo consigo, ou passa a vida à deriva, sem referenciais firmes que lhe sustentem o existir.

O que acontece hoje, é que, numa sociedade fragmentada, de uma multiplicidade de discursos, o fracasso dessa função paterna é sempre mais recorrente. O pai-real é ausente, ou inoperante, e o pai-simbólico é fracassado. A criança fica literalmente sem referências, e exposta a todo bombardeio da cultura de massa, preso ao beco sem saída a que me referi há pouco.

Não raro encontramos casos de pais que ao longo de suas vidas não resolveram suas questões existenciais, ou seja, não resolveram seu Édipo, como se fala no linguajar clínico, e transferem aos filhos toda a carga de afectos e perceptos repreendidos por anos, como se inconscientemente os filhos representassem a forma de se resolver a questão. Aos pais... ? Bem, estes estão tranqüilos, pois, como esta transferência dá-se a nível inconsciente, eles não percebem. Porém são aos filhos que o estrago é feito ...

Ressalto porém, que quando se fala em “ausência”, “figura paterna” ou mesmo de “pai”, aqui não tratamos do “pai-real”, de carne e osso, o pai propriamente dito, mas sim de uma função, uma função simbólica, do “pai-simbólico”. Aquele algo que nos traz novos significantes, uma nova linguagem, aquilo que nos possibilita vivenciar novos acontecimentos que não o estar no colo da mamãe, aquilo que nos dá liberdade, mas que ao mesmo tempo nos causa pavor (respeito) quando a alguma travessura ouve-se da cozinha um “meniiiino, desce já daí, eu vou falar pro teu pai”. Esse é o pai-simbólico, o que liberta e o que interdita ao mesmo tempo, mas, sobretudo o que a partir desta ambivalência permite ao bebê/criança se constituir enquanto sujeito autônomo.

Aos que conhecem a teoria psicanalítica, sabem muito bem qual estrutura se constitui da “foraclusão do Nome-do-Pai”, porém não é nossa intenção aqui nenhuma abordagem clínica. Sabemos que não seria cabível, muito menos aceitável. D'outra sorte, tocar no sujeito da cultura, na relação de fragmentação do ser diante ao vazio da pós-modernidade, isto sim, é possível, e é a este desdobramento que nos propomos.

Continuo este assunto no artigo “Filhos órfãos de pais vivos”. Abraços.
D.

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